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Channel: restaurantes – Flavors and Senses
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Casa Marcelo

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Quando falamos de alta cozinha galega há alguns nomes que normalmente saltam à primeira vista, raramente o nome que ouvimos é o de Marcelo Tejedor, ainda que seja ele, muito provavelmente, o “padrinho” de toda uma nova geração de chefs e restaurantes de refinado apuro gastronómico.  Formado junto de Juan Maria Arzak, Jacques Maximin, Paul Bocuse e Alain Ducasse, foi em 1999 que voltou a Santiago e iniciou a 1ª das suas revoluções. Ora vejamos,  na sua primeira roupagem a Casa Marcelo aparecia como um restaurante gastronómico, de cozinha aberta para a sala onde os cozinheiros eram muitas vezes os elementos da sala, a isso juntou-se uma única opção, um menu de degustação – ao leitor parecerá algo simples, que se vê um pouco por todo o lado mas em 1999 era disrupção ao mais alto nível!

Quis a história, a crise, e um cérebro inquieto que em 2013 Marcelo instalasse outra revolução no seu projecto, o restaurante deixaria de ser gastronómico, deixaria de trabalhar segundo padrões da crítica e das estrelas Michelin  e tornar-se-ia um gastrobar, informal, centrado no cliente e numa oferta de uma moderna cozinha galega em formato de tapas.

O sucesso imediato e a cozinha de rara sensibilidade de Marcelo e do seu braço direito Martín Vázquez, fizeram com que o guia vermelho esquece-se todas as suas exigências (pelo menos na versão portuguesa…) e lhe devolvesse a estrela michelin que tem mantido desde então.

Mas passemos à noite desta nossa visita, instalados em plena cozinha (todo o restaurante é um open space, pelo que tanto podemos ficar na corrida mesa vermelha, como em diferentes secções do espaço) e com a honra de ter o Martín como cicerone, rapidamente optamos por ficar nas mãos da equipa e ir medindo a fome ao longo do jantar.

Para começar não há melhor forma do que com pão, e que pão! Este que há anos produzem diariamente na cozinha da Casa Marcelo é perfeito a todos os níveis e vale a pena a visita apenas por ele – eu teria saído feliz com um saco debaixo do braço.

Ostra Peróla Negra, pimento padrón
Uma ostra de rara delicadeza aqui casada com um molho de pimento padrón e um óleo de especiarias que logo nos mostra a tal fusão de sabores e culturas que a cozinha de Marcelo tanto apregoa.

Tiradito de Robalo, Aji Amarillo
Produto galego, influência peruana, num fantástico tiradito cujo molho apetecia trazer em frascos, dado o equilíbrio de acidez com notas picantes.

Salada de Tomate cereja, pepino
Um clássico do restaurante, que tem conhecido várias versões ao longo dos anos, e que da aparente simplicidade apenas tem isso mesmo, a aparência. Tomate sem pele, pepino em granizado e um molho secreto que liga todos os elementos numa bela conjugação de doçura e acidez. Perfeito!

Har-gao de gambas al ajillo
Aqui começam as primeiras amostras da influência asiática na cozinha de Marcelo, experiências tão bem conseguidas que o levarão a abrir mais recentemente o restaurante Mr.Chu. Voltando ao nosso Har-gao o primeiro a chegar à mesa, veio ligeiramente colado ao prato, perdendo-se alguma da massa e por isso a sua plena sensação em boca. Apercebendo-se disso, chegou rapidamente um substituto, esse sim, brilhante! Camarão no ponto, notas vincadas da cozinha espanhola e uma massa de dim sum como nunca encontrei num restaurante que não fosse comandado por asiáticos.

Sardinha Assada, ratatouille
Mais um clássico da casa, e um daqueles que apetece comer às dúzias. Para mim durante os santos populares, podiam vir assim mesmo, perfeitas na textura, enriquecidas pelos legumes e com uma base crocante para pegar, tricar e sentir. Será pedir muito?

Poke de choco
Choco ligeiramente cozinhado sobre a sua tinta e arroz de sushi. Arroz de boa qualidade, num conjunto saboroso, mas onde a textura do choco não demonstrou o melhor de si. Não tendo qualquer erro foi o prato menos marcante do jantar.

Sargo Assado, pak choi
Mais uma vez a combinação perfeita de produto galego e sabores da Ásia, com recurso apurado à grelha, deixando o peixe sensível e delicado casado com um molho que nos fazia lamber os dedos (tudo que se pretende de um molho).

Bife Tártaro
Quem não gosta de bife tártaro nunca provou o da Casa Marcelo, e quem provou, dificilmente lhe encontra adjectivos. Tem tudo que se possa pedir, e quem me conhece sabe o quanto gosto de um bom bife tártaro!

Poke de Toro picante
Ao contrário do poke de choco, aqui nada falhava – ótima a barriga de atum com a sua gordura a cobrir toda a boca, bem acompanhada pelas notas picantes do tempero. Daqueles que não apetece parar…

Batata-porro, gema de ovo e toucinho ibérico
Na carta desde a 1ª versão gastronómica do restaurante, a batata é cortada e prensada para parecer um alho francês, bem crocante e a ganhar uma enormidade de nuances e contrastes gulosos com a junção do toucinho e da gema. Pecados dos bons!

Cerejas estufadas, mascarpone
Podia ser um tiramisù, mas era mais interessante… A cereja levemente cozinhada fundiu-se na perfeição com a delicadeza do creme de mascarpone e as notas amargas do cacau. Muito bom!

Abacate, abacaxi e coco
Frescura, frescura, frescura, é assim que gosto de terminar refeições longas e foi assim que terminamos um memorável jantar na Casa Marcelo. Texturas irrepreensíveis, acidez, doçura e gordura no ponto certo. Equilíbrio é o nome certo para esta sobremesa!

A carta de vinhos é curta, mas com opções criteriosamente selecionadas, onde obviamente se destacam os vinhos galegos e os preços justos. Bebemos um La Pola 2016,  da Ribeira Sacra, feito à base de godello, albariño e dona branca, um vinho que não cansou e acompanhou toda a refeição com as suas nuances e estrutura.

O serviço é frenético e simultaneamente de alto profissionalismo, o que nos leva a um cenário de imersão no trabalho de todos os que rodeiam a mesa enquanto preparam algumas das iguarias a serem servidas.

Considerações Finais
Ainda bem que existem pessoas como Marcelo Tejedor, pessoas livres e com vontade de correr riscos, sem medo de opiniões ou distinções. Foi essa peculiar personalidade e o raro talento e sensibilidade gastronómica que fizeram de Marcelo um cozinheiro tão especial, provavelmente o mais especial de toda a região galega. Um fora de série que hoje nos mostra não só sabores de outras latitudes fundidos com a sua Galiza como também nos mostra que a alta cozinha não tem de ser estanque, não tem de ter padrões de serviço ou de decoração. Tem sim de nos mostrar caminhos, abrir horizontes, surpreender a cada dentada e respeitar o produto que coloca sobre a mesa.

Assim, o que precisamos é de mais Marcelos e de mais viagens como aquela em que embarcamos quando entramos por esta porta. Por aqui ficam as saudades e a promessa de um regresso. Muitos regressos!

Casa Marcelo
Preços a partir de 45€ – (sem vinhos)
Rua das Hortas, 1, 15705 – Santiago de Compostela – Espanha
+34 981 55 85 80

Versão Portuguesa

Photos: Flavors & Senses


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